Práticas sustentáveis e arquitetura vernacular no projeto bangalô

Contextualizando

A milênios a arquitetura faz parte do cotidiano do ser humano, ela surge da necessidade de buscar abrigo e proteção contra todos os tipos de perigo como animais, sol intenso e chuva. Aos poucos foram implementados métodos construtivos que facilitaram a elaboração destes abrigos, sendo durante muito tempo nômades os nossos ancestrais precisavam encontrar localmente formas de construir estes abrigos e começaram a explorar o uso de pedras, areia, madeira, palha, terra e demais materiais na região onde estavam acampados.

Tenha em vista que este período de descoberta foi muito longo no ciclo de centenas de milhares de anos sendo parte do processo evolutivo da nossa espécie. A grande mudança começa com o assentamento da população em pequenos povoados e a criação das plantações e domesticação de animais, perceberam que poderiam cultivar em um mesmo terreno não sendo necessário esperar longos períodos de tempo para que as plantações voltassem a crescer e muitos dos alimentos poderiam ser estocados.

Poupando grande parte do tempo que seria gasto com as longas jornadas em busca de alimento e podendo assim focar sua atenção para outras atividades a descoberta das técnicas de construção possibilitam criar novas formas de habitar e melhorar aos poucos a qualidade de vida. Não precisamos ir muito longe para encontrar traços das antigas civilizações que fizeram grande uso das técnicas vernaculares e de produção local para benefício da comunidade.

Afinal, o que é arquitetura vernacular? É a construção feita por construtores locais sem a supervisão de um profissional da arquitetura, utilizando técnicas ancestrais e matéria prima como pedras, madeira, terra e bambu.

Com o avanço da tecnologia e descoberta de materiais como o cimento, metal e vidro este tipo de construção vernacular e seus métodos construtivos passou a ser utilizada apenas em pequenos povoados e passado de geração em geração por seus usuários. Infelizmente muitas das técnicas estão sumindo por não serem passadas adiante para as novas gerações e claro com o ganho de tempo com materiais modernos. Com a capitalização dos novos matérias de construção e o marketing produzido para alavancar seu consumo conseguiram implementar na cabeça da população que os métodos tradicionais de construção não eram duráveis e que o "exito" e o "sucesso" seria refletidos através dos bens de consumo que conquistasse durante a vida (cá pra nós, isso não mudou nada nos dias de hoje), este é o pensamento capitalista que é a pedra fundamental e base da nossa sociedade.

A revolução do consumo

Na atualidade temos o conhecimento de que precisamos rever nossa forma de explorar nossos recursos e que para as próximas gerações possam desfrutar desta qualidade de vida é necessário rever nosso consumo hoje. As 17 ODS's (objetivos de desenvolvimento sustentável) do pacto global que prevê a conscientização das nações vinculadas a ONU até 2030 trás parâmetros de controle e iniciativas de valorização das práticas sustentáveis, erradicação da fome, empoderamento das mulheres entre outros temas importantes para garantir a qualidade de vida dos nossos netos e bisnetos.

Existem iniciativas públicas e privadas para contribuir com estes objetivos e não somente as empresas e governos podem contribuir, cabe a cada um de nós fazer o possível para colaborar com um mundo melhor para nossos sucessores, baseado nisso e com pequenos atos como resignificar o uso de um produto já obsoleto, coleta seletiva, incentivo de consumo de produtos e alimentos regionais, diminuição de uso de combustíveis fósseis, descarte correto do lixo, melhor aproveitamento das águas cinzas, entre outras iniciativas que só dependem de você e de mim para realizar.

O consumo consciente e qual o impacto gerado a partir das iniciativas de popularização das novas tecnologias sustentáveis como geração de energia por captação solar, aquecedores por coletores solar, telhados verdes e fachadas vivas em prédios e residências são outras possibilidades que podem ser adotadas na hora de projetar a sua nova casa ou empresa e você pode pensar que é muito caro implementar estes sistemas, só que o custo-benefício é obtido a longo prazo em redução de consumo de energia e água, ganho térmico e qualidade de vida para os usuários.

Cumprindo o meu papel social

Após ter tomado consciência deste ciclo e feito cursos e participado de palestras sobre meio ambiente, sustentabilidade, gestão de consumo e sobre o ciclo de vida do nosso lixo, resolvi arregaçar as mangas e colocar em prática estes ensinamentos e ver qual seria o impacto destas novas rotinas e crenças no meu cotidiano. Claro que em plena pandemia de COVID19 todas as práticas foram intensificadas e pude enfim dedicar mais tempo para aplicar as técnicas de construção, plantio e reuso de materiais de construção que seriam destinados aos lixões ou descartes clandestinos.

Este projeto está acontecendo de maneira gradativa entre a construção dos cômodos principais, paisagismo e partes secundárias como ligação de água, luz, caixa d'água espaços de lazer. Esta é uma forma de construir muito comum para a maior parte da população que por sua vez é assalariada e não tem recursos guardados para executar a obra de uma vez, a unica diferença é que eu sendo arquiteto estou controlando as etapas e participando com as iniciativas de reaproveitamento de materiais usados das obras que tenho em execução e na medida que vou descobrindo novas técnicas de construção, tenho novas ideias de aplicação, vou aproveitando os materiais que são doados para executar o serviço.

Abaixo deixo a vocês um pouco desta experiência que venho colocando em prática no projeto que denominei como "Projeto Bangalô" todo o processo vem sendo documentado e compartilhado nos storys da @tbtarquitetura no Instagram.

Adobe ou tijolo de terra crua

Na imagem acima apresento a vocês os meus primeiros blocos feitos de Adobe, ficaram meio tortos, não tinham uma boa consistência quando os desenformei, mas mesmo assim já se passaram 5 meses da data em que fiz estes primeiros testes e não sofreram alterações posteriores ao período de cura.

A construção baseada nesta técnica é um pouco mais demorada que os meios tradicionais, mas não requer mão de obra qualificada para criar os blocos e até mesmo as crianças podem participar do processo de fabricação, os tijolos de adobe são unidos com uma massa de barro e segue os mesmos princípios da alvenaria tradicional, sendo necessário o uso de nível, prumo e esquadro.

Considerada uma técnica sustentável de construção por utilizar a terra do próprio local para a fabricação dos blocos e depois de pronta a edificação não necessita de ar-condicionado por manter o equilíbrio de temperatura interna, durante o dia ela mantem a casa fresca não deixando o ar quente entrar e durante a noite mantem a casa quente dificultando a saída do calor interno. É considerada uma casa "viva" por poder respirar nestas trocas de temperatura e melhora a qualidade de vida de seus moradores evitando excessos de umidade que aumentam a proliferação de fungos prejudiciais.

Super adobe

Esta técnica usei para criar um banco na fachada frontal do bangalô, a terra ensacada possibilita um serviço mais rápido para construção e não necessita de uma terra de boa qualidade para criar a estrutura. Geralmente é utilizada para contenção de barrancos em beira de estradas e para substituir o muro de arrimo, mas a ideia de construção com saco evoluiu e criaram outra técnica o SuperAdobe que é um saco contínuo feito de um material mais resistente e que aumenta a produtividade por ter poucas emendas ao longo da sua estruturação.

Neste caso os sacos foram doados pelo dono de um sacolão que não tinha outro uso para eles e após seu propósito inicial de transporte de frutas e legumes ser cumprido seriam descartados. Algumas padarias e depósitos vendem sacos usados para quem está em reforma e são usados para transporte de entulho, este mesmo entulho poderia ser a base cara criar bancos, muros ou mesmo uma nova parede da edificação se os usuários tiverem consciência desta técnica.

Reboco mineral

Usando o mesmo princípio do tijolo de barro em suas características de troca térmica com o ambiente, o reboco mineral é uma excelente opção para criar uma solução mais orgânica para o ambiente, seja ele interno ou externo. Muitas das pessoas de baixa renda permanecem com suas casas sem dar acabamento por anos por não terem renda suficiente para acabarem de construir, isso é muito decorrente da falta de planejamento, contratação errada de profissionais entre outros obstáculos que encontram no meio do caminho.

Esta é uma solução super viável para dar acabamento em casas, principalmente em ambientes rústicos. O reboco mineral é uma mistura de terra argilosa, areia, esterco bovino e um material para dar liga que neste caso foi usado a baba produzida por cactos picados e deixados em conserva por três dias. Não sendo um material industrializado que contem reagentes nocivos para a saúde em contato com a pele, pode ser facilmente aplicado com as mãos e torna-se até divertido para crianças e familiares na hora da aplicação que não demanda técnicas complexas de aplicação.

Tinta natural / Pintura mineral

Tão quanto o reboco com terra, a tinta mineral segue o mesmo princípio de uso sendo de fácil acesso, um ótimo custo beneficio e é menos poluente e não deixa cheiro forte tal qual uma tinta produzida no processo industrial. Para sua produção é necessário terra fina, água, cola PVA e óleo de linhaça (impermeabilização para parte externa). As tonalidades vão variar de acordo com a terra que escolher, nesta amostra que fiz apliquei uma terra bem fina com tons puxados para o lilas, esta é a primeira demão e já ficou com uma tonalidade bem atraente. Fiz os testes de aderência da pintura ao toque e com esguicho d'água para testar se realmente ficou impermeável.

Não quero alongar muito este post por isso farei uma segunda publicação continuando a falar deste projeto e mostrando as evoluções que estão sendo desenvolvidas gradativamente, agradeço se chegou até aqui e peço que compartilhe com seus amigos caso tenha tido relevância para você este tema.